sábado, 19 de setembro de 2020

A reinvenção de mim, crônica de Cláudio Miranda

A REINVENÇÃO DE MIM

"Só há crescimento para além de mim. Não me ultrapassar, é permanecer o mesmo. Se não me desafio, se não me insatisfaço, morro no ontem e no hoje. E, então, já não haverá amanhã para mim: apenas uma medíocre repetição do hoje. 
Minha luta é contra mim mesmo. Preciso ser vencido por uma nova versão de mim. Ainda que seja só um pouquinho melhorada. Nem é preciso ser uma nova versão, apenas uma atualização pontual já me faz outro, e me poupa de cansar de mim. É uma declaração de morte ao narciso dentro de mim, que deseja me perpetuar na pobre versão de hoje, negando-me o direito de me reciclar e me reinventar para sobreviver. Não, não desejo afogar-me nestas águas que insistem a refletir uma imagem cujo prazo de validade já está vencido: uma imagem de um hoje que já vai se tornando em ontem. 
Ainda hoje, preciso trabalhar em algum retoque que modifique a imagem que me será mostrada amanhã. Escolho cultivar o hábito de assustar-me com a imagem do sempre o mesmo; me nego a acostumar o meu olhar com a mediocridade de ontem e de hoje. Exijo para o meu olhar o estranhamento de sempre enxergar  outro quando olhar na água, e não me reconhecer por causa da transfiguração que me tornou em outro diante de meu próprio olhar. Não desejo acostumar meu olhar, nem mesmo comigo. Quero o maravilhamento do novo em tudo: especialmente em mim. 
Sou um filho da pós-modernidade, que vivencia tudo como um "ponto de mutação"; que privilegia a errância e o nomadismo, num mundo que se atualiza  ou cai na obsolescência. 
Por opção, escolho ser um ser de natureza mutante, um ser em trânsito, para continuar transitando na vida. E, será assim, até que ouça a mensagem: "atualização indisponível para este modelo!". Neste dia, eu saberei: cheguei ao fim da linha da existência útil, e já não haverá upgrade possível que me possa salvar. Só me restará dizer: "Acabei a carreira!" Mas só para esse breve treino, porque a verdadeira existência estará só começando. Este é o inexplicável paradoxo: ser descartado para esta existência, e, no entanto, me encontrar na melhor forma: a da ressurreição para a vida eterna."

Cláudio Miranda 

Nenhum comentário: